RBO -( Revista Brasileira de Ortopedia ) Vol 32 . nº8 – Agosto 1997
Alongamento ósseo com o método de Ilizarov em pacientes com fêmur curto congênito
Anderson Amaral de Oliveira, Wagner Nogueira da Silva, Eduardo Ramos Marques Pina
Os autores apresentam os resultados obtidos em 10 pacientes com fêmur curto congênito em que foram feitos 11 alongamentos com o fixador externo de Ilizarov entre fevereiro de 1990 e junho de 1995. Foram avaliados os pacientes classificados no tipo IX de Pappas, no qual so-mente há encurtamento sem deformidades ósseas. São discutidas as complicações ocorridas, como infecções nos trajetos de fios e pinos, rigidez articular, consolidação da osteotomia e subluxação posterior do joelho.
Os defeitos congênitos do fêmur podem ser classificados em duas categorias: a com defeitos ósseos, chamada de deficiência focal proximal (DFP) e a sem defeitos ósseos, denominada fêmur curto congênito (FCC) ou simplesmente hipo
Méd. Ortop. do Hosp. Ortopéd.-AMR; Hosp. Maria Amélia Lins (FHEMIG) – Belo Horizonte, MG; Coord. do Serv. de Fix. Ext. do Hosp. São João de Deus – Divinópolis, MG.
Coord. do Grupo de Fix. Ext. do Dep. de Ortop. do Hosp. da Baleia e Hosp. Maria Amélia Lins (FHEMIG) – Belo Horizonte, MG.
R3 do Hosp. Ortopéd. (REIOT)-AMR (Associação Mineira de Reabilitação).
plasia do fêmur. A classificação mais usada para DFP é a de Aitken(1). É também muito utilizada a classificação de Pap-(10) a qual se subdivide em nove tipos. Nela é possível classificar tanto as DFP como também incluir o FCC, que é o tipo IX de Pappas. Esta é a forma mais comum de deficiência longitudinal do fêmur. Não existe nenhum outro defeito, o fêmur é simplesmente curto. Seu envolvimento é quase sempre unilateral. Geralmente não está associado a outros defeitos congênitos do sistema esquelético, porém há comumente ausência congênita dos ligamentos cruzados com hiperfrouxidão do joelho(7).
Este trabalho propõe avaliar os resultados obtidos nos alongamentos de fêmur realizados no tipo IX de Pappas e as complicações ocorridas.
Foram realizados no período de fev/90 a jun/95 11 alongamentos de fêmur em 10 pacientes com FCC no Hospital da Baleia, em Belo Horizonte. Foram excluídos aqueles com DFP que não eram do tipo IX de Pappas. Dos 10 pacientes, 8 eram do sexo feminino (80%) e 2 do masculino (20%). O lado direito foi acometido em 4 pacientes (36,4%) e o esquerdo em 7 (63,6%). A idade mínima foi de 7 anos e a máxima, de 25, com média de 10,8 anos. A discrepância mínima inicial foi de 4cm e a máxima, de 10cm, com média de 7,05cm.
Utilizamos o fixador externo de Ilizarov, consistindo a montagem de um arco proximal e um anel distal em crianças mais novas. Nas maiores ou em adultos foi acrescentado um anel intermediário (figura 1). Todos os alongamentos foram unifocais e na metáfise distal do fêmur. Em nenhum caso foi utilizada a técnica de condrodiástase. A velocidade do alongamento foi de 1mm/dia, dividido em 4 tomadas (figura 2).
O tempo de uso do aparelho foi de 2,4 a 16 meses, com média de 8,8 meses. Obtivemos índice de corticalização de 43,6 dias por cm alongado ou 1,45 mês/cm. A discrepância final variou da equalização completa do membro até 4cm de encurtamento remanescente, com média de 1,18cm. O me-nor alongamento final conseguido foi de 4cm e o maior de 9cm, sendo a média de 5,9cm.
Como complicações ocorreram infecções nos trajetos dos pinos em todos os pacientes. Houve consolidação da osteotomia em 2 membros em que foi necessária osteoclasia por manipulação a foco fechado. Em 3 pacientes, ao final do tratamento havia grande limitação da função articular, que melhorou progressivamente após a retirada do aparelho e fisioterapia. Como última complicação e mais importante, houve 2 pacientes que desenvolveram subluxação posterior do joelho, em que foi necessária a interrupção do alongamento e compressão do regeneratum pela redução da subluxação (gráfico 1).
Nosso protocolo de tratamento inclui avaliação minuciosa desses pacientes do ponto de vista clínico e radiográfico de suas articulações adjacentes para nos precavermos de possíveis complicações, dentre elas subluxações, que possam ocor-(5,7). Além disso, ainda conversamos bastante com seus pais e familiares a respeito de outros tipos de tratamento, como epifisiodeses e encurtamentos(6). É imprescindível a orientação sobre a possibilidade de novos alongamentos, caso esse seja o método de tratamento escolhido. Nenhum de nossos pacientes foi submetido a epifisiodese ou encurtamentos do membro contralateral. Todos realizaram somente alongamentos.
Nossa casuística mostra predomínio importante do sexo feminino sobre o masculino, apesar de a literatura relatar não predileção por ele(8). Nenhum de nossos pacientes apresentava como queixa prévia qualquer instabilidade das articulações adjacentes.
O índice de corticalização obtido foi de 43,6 dias por cm alongado, maior que o de alguns trabalhos, que variaram de 30 a 40 dias(2,3,9). As variáveis que provavelmente contribuíram para o aumento do tempo de corticalização foram a consolidação da osteotomia, que ocorreu em 2 pacientes, e a inclusão de outros 2, com idade acima de 20 anos, em que é sabido que aumenta o índice de corticalização do regeneratum(4).
Observamos que, apesar da limitação articular ocorrida em 3 pacientes, estes evoluíram satisfatoriamente após a retirada do aparelho e início da fisioterapia (figura 3).
A subluxação posterior do joelho ocorrida em 2 pacientes chama-nos a atenção para acompanhamento ambulatorial rigoroso e com retornos mais precoces. Nesses pacientes fo-ram necessários interrupção e encurtamento do foco de alongamento para redução da subluxação. Isso contribuiu para obtermos média de encurtamento remanescente de 1,18cm, sendo a maior diferença residual de 4cm. Não ocorreu nenhuma subluxação da articulação do quadril como descrita em outro trabalho(3).
Concluímos que, comparativamente com outros métodos de alongamento, o fixador externo de Ilizarov é o que possibilita melhor controle, permite mudança de tática durante o tratamento, apresenta melhor índice de corticalização, reabilitação funcional precoce com manutenção da amplitude de movimento articular, carga precoce no membro em tratamento e retorno social mais facilitado. Devemos ater-nos a boa avaliação pré-operatória clínica e radiológica, orientação familiar e sempre priorizarmos a função articular, evitando limitação de movimento com fisioterapias e subluxações articulares com controles ambulatoriais freqüentes.
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