5 – Pseudartrose de úmero: tratamento com a técnica de Ilizarov

5 – Pseudartrose de úmero: tratamento com a técnica de Ilizarov

RBO( Revista Brasileira De Ortopedia)
Vol 31 . nº8 – Agosto 1996 – p 633 – 637
Pseudartrose de úmero: tratamento com a técnica de Ilizarov

Wagner Nogueira da Silva, Maurizio A. Catagni

Os autores apresentam os resultados obtidos em 47 pacientes tratados de pseudartroses umerais com o fixador externo de Ilizarov e comentam seus princípios biomecânicos, montagem básica e remoção do aparelho. São discutidas as indicações cirúrgicas para fraturas agudas do úmero e o tratamento clássico para as pseudartroses umerais estabelecidas.

Introdução:

A grande maioria das fraturas do úmero cicatriza com boa função e mínima deformidade com o tratamento conservador. Órteses funcionais geralmente levam a consolidação com limites aceitáveis de deformidades ósseas enquanto mantêm a mobilidade das articulações adjacentes durante o tratamento(7,9).

Cirurgia na fase aguda é geralmente reservada para fraturas com lesão vascular, lesão nervosa, fraturas bilaterais, fraturas patológicas, politraumatizados e fraturas articulares(1).

Entretanto, 5% das fraturas não consolidam após quatro a seis meses de tratamento e evoluem para retarde de consolidação e pseudartroses.

O método de escolha clássico para o tratamento de pseudartrose do úmero são placas-parafusos, com ou sem enxertia óssea. Outras técnicas de tratamento citadas na literatura são gesso, órteses funcionais, estimulação elétrica e hastes intramedulares(4,5).

Ilizarov(7), em Kurgan, Rússia, iniciou o uso de fixação externa em 1951, desenvolvendo seu método para o tratamento de muitas lesões ortopédicas e traumatológicas com grande êxito. Aplicou os princípios de estabilidade e promoção de neovascularização e consolidação das pseudartroses usando seu método em muitos tipos de pseudartroses umerais.

Este artigo revisou 47 pacientes que foram tratados desde 1981 em Lecco, Itália (34), e desde 1989, em Belo Horizonte, Brasil (13).

Material e Método:

Entre 1982 e 1992, 36 pacientes foram tratados de pseudartroses umerais no Hospital Geral de Lecco, Itália. Um morreu de causa não relatada durante o tratamento e outro não foi encontrado, restando 34 pacientes que retornaram para revisão. Entre 1989 e 1992, 15 pacientes foram tratados de pseudartroses umerais no Hospital da Baleia e Hospital Maria Amélia Lins, Belo Horizonte, Brasil. Dois pacientes não foram encontrados, restando 13 que retornaram para revisão.

A etiologia das fraturas do úmero foi: patológica em dois pacientes, uma em região óssea irradiada para tratamento de plasmocitoma e outra devido a osteomielite crônica; devido a acidente com veículo motorizado em 30 pacientes; queda de altura significante em 13; em dois houve lesões explosivas e em dois, quedas da própria altura. O membro dominante foi envolvido em 21 pacientes e em 26 o não dominante.

O tratamento inicial das fraturas foi feito através da combinação de tração e gesso ou órtese em 16 pacientes. Os outros 31 foram submetidos a uma ou mais formas de tratamento cirúrgico, com o total de 49 procedimentos envolvendo fixação com hastes, placas-parafusos com ou sem enxertos ósseos, fixação com parafusos e fixação externa uniplanar.

O sítio de pseudartrose do úmero foi mais freqüente no 1/3 médio, em 22 pacientes; em 18 pacientes no 1/3 distal e em sete no 1/3 proximal.

Como patologias associadas, nove pacientes apresentavam infecção ativa com drenagem de secreção purulenta no sítio de pseudartrose durante seis meses anteriores ao tratamento, cinco registravam lesão do nervo radial, em um havia lesão do nervo radial e mediano e dois tinham perda óssea de 8cm do úmero, sendo um secundário a trauma e outro conseqüente a ressecção de osso infectado após prótese total de cotovelo.

De acordo com a classificação de Weber, 26 pacientes apresentavam pseudartrose atrófica, quatro, pseudartroses hipertróficas e 17, pseudartroses normotróficas.

À época do tratamento com o método aplicado de Ilizarov, todos os 47 pacientes queixavam-se de dor, instabilidade e incapacidade funcionais para suas atividades normais.

Técnica cirúrgica:

Para a montagem básica do aparelho no tratamento de pseudartroses umerais, utilizamos “técnica italiana” com um arco proximalmente e três pinos de Schanz que formam um ângulo de 90 graus entre si em diferentes níveis. O componente no 1/3 médio consistiu de um anel com fio de transfixação e um pino de Schanz com ângulo de 90 graus entre eles em diferentes níveis. O componente distal consistiu de um anel 5/8 com dois fios de transfixação e um pino de Schanz inserido lateralmente à borda do tendão do tríceps (fig. 1, A e B). Esta montagem básica pode apresentar pequenas modificações, dependendo do objetivo a ser alcançado durante o tratamento das pseudartroses. Em dois pacientes com perda óssea foi necessária a fixação coadjuvante do antebraço para proporcionar estabilidade necessária.

Os princípios de transfixação são essenciais e necessitamos de muito cuidado em pacientes tratados com técnica cirúrgica aberta prévia, porque o tecido cicatricial pode mu-dar a anatomia original do braço, aumentando o risco de transfixação de estruturas nobres.

Fixações de referência devem ser colocadas nos fragmentos proximal e distal no plano coronal, perpendicular ao eixo umeral e a localização acurada confirmada radiologicamente, para facilitar a técnica cirúrgica e a redução adequada.

Nos pacientes com pseudartroses normotróficas e hipertróficas foi realizada compressão entre os fragmentos ósseos alinhados. Nas pseudartroses com infecção e bordas atróficas foi realizada técnica aberta com ressecção do osso patológico e compressão no sítio de pseudartrose.

Nos pacientes com perda óssea menor que 4cm foi feita compressão no sítio de pseudartrose e osteotomia na metáfise para alongamento ou realizado transporte. O rítmo de alongamento ou transporte foi de 1mm por dia dividido em quatro vezes. Aceitamos encurtamentos de 4cm ou menos sem significante alteração funcional. Quando necessária, a compressão no sítio de pseudartrose foi feita de forma progressiva, com a aproximação entre os fragmentos, para melhor adaptação das partes moles.

No período pós-operatório imediato os pacientes são encorajados a usar efetivamente o membro superior tanto quanto possível, mantendo mobilidade nas articulações adjacentes, higiene e curativos nos sítios dos pinos com gaze esterilizada. Nos pacientes tratados em Belo Horizonte foi introduzida a aplicação de própolis (solução alcoólica a 20%) na pele adjacente aos pinos, com redução da infecção local.

A remoção do aparelho foi baseada em critérios clínicos e radiológicos. Radiologicamente, as pontes trabeculares deverão estar presentes e a cortical óssea, bem definida. Quando isso ocorre, as hastes conectantes através do sítio de pseudartrose deverão ser removidas e realizado teste clínico de estabilidade. Se nenhum movimento ou dor é percebido, o aparelho pode ser removido.

Resultados:

Dos 47 pacientes tratados, 45 (95,7%) conseguiram união óssea sem ou com mínima deformidade e em todos os que previamente apresentavam infecção houve cicatrização com resolução da fístula purulenta.

Um paciente (nº 2, tabela 1) que foi irradiado 14 anos antes para tratamento de plasmocitoma teve múltiplas fraturas patológicas e estas cicatrizaram, exceto a fratura umeral. Após seis meses de tratamento conservador foi aplicada a técnica de Ilizarov, estável, mas, a despeito de 18 meses de compressão, a pseudartrose persistiu.

O segundo tratamento falho (nº 25, tabela 1) ocorreu em um homem de 40 anos que sofrera fratura do colo cirúrgico do úmero três anos antes. Muitos tratamentos foram aplicados, incluindo tipóias, órteses e gesso, levando a pseudartrose altamente atrófica. Devido à osteopenia avançada e limitada divergência da fixação proximal com dois fios de Kirschner, a estabilidade do fragmento nunca foi conseguida e o tratamento falhou, a despeito de 12 meses de fixação externa.

A duração média de fixação externa foi de 7,4 meses, mínimo de quatro e máximo de 16 meses. No grupo de pacientes com pseudartrose hipertrófica o tempo médio de fixador foi de quatro meses, nas normotróficas, de seis meses e nas atróficas, de nove meses.

Nenhum paciente perdeu significante mobilidade do ombro ou cotovelo como resultado do tratamento com o fixador. Entretanto, muitos deles apresentavam algum grau de limitação antes da aplicação do fixador de Ilizarov, o que persistiu após sua remoção.

Um paciente (nº 6, tabela 2) foi tratado com transportação óssea para corrigir 8,0cm de perda óssea do 1/3 médio do úmero após acidente automobilístico com lesão do nervo radial no mesmo nível. Após a correção da falha óssea a função da mão foi corrigida por transferência tendinosa, com transposição do flexor ulnal do carpo para extensor radial longo do carpo, além de transposição do flexor superficial dos dedos para extensor longo dos dedos, com bom resultado funcional.

Outro paciente (nº 10, tabela 2) foi tratado com alongamento para corrigir 8,0cm de discrepância. Inicialmente, teve fratura do cotovelo tratada com prótese de cotovelo que infectou e seqüestrou o 1/3 distal do úmero. O osso patológico foi ressecado, provocando falha óssea de 8cm do úmero distal. Depois da correção do encurtamento e tratamento da infecção, o paciente apresenta-se com pseudo-articulação ao nível do cotovelo, com satisfatória função e indolor.

Em nenhum paciente ocorreu dano vascular ou neurológico permanente como resultado da aplicação do aparelho. Um paciente experimentou neuropraxia do radial após remoção da placa e parafusos em pseudartrose infectada, recuperada após seis semanas de cirurgia. Outro paciente apresentou parestesia do radial durante transporte ósseo e foi necessária troca de fios para resolução do problema.

As infecções superficiais nos sítios dos pinos foram tratadas com antibióticos orais e cuidados locais com resolução satisfatória, não sendo necessárias trocas de fios para tal.

Três pacientes experimentaram refraturas no sítio prévio de pseudartrose. Um paciente (nº 19, tabela 1) com prévia pseudartrose hipertrófica teve o aparelho removido após quatro meses de tratamento; uma semana após sua remoção o úmero refraturou durante a atividade normal. Com órtese funcional, a refratura consolidou em 16 semanas.

Outro paciente (nº 32, tabela 1), com pseudartrose distal do úmero que consolidou, sofreu queda após quatro meses de remoção do aparelho, causando refratura no mesmo local. Outro aparelho de Ilizarov foi colocado, com consolidação ocorrendo em quatro meses.

O terceiro paciente (nº 2, tabela 2) que teve pseudartrose infectada do 1/3 distal do úmero, tratada por sete meses, apresentou queda banal após a remoção do aparelho, causando refratura. Novo aparelho foi colocado, com consolidação e cura da infecção após cinco meses.

Discussão:

A fim de que dois fragmentos ósseos consigam união, requisitos mecânicos e biológicos devem ser satisfatórios.

Na fratura do úmero a contribuição biológica para osteogênese é tal que, na maioria dos casos, a união ocorre. Tal estímulo biológico para consolidação pode ser melhorado pelo uso funcional da extremidade(10,12), explicando os bons resultados conseguidos com órteses funcionais no tratamento de fraturas diafisárias.

Métodos usados para aumentar estabilidade mecânica, necessária para a consolidação óssea, consistem em órteses, placas metálicas e parafusos, sistemas intramedulares, fixação externa ou placas de osso cortical fixadas com parafusos. Em apenas 17% de pseudartroses estabelecidas, hastes intramedulares flexíveis têm promovido consolidação(3,8). Falez & Moreschini(6) reportaram êxito em dois casos de pseudartrose utilizando órteses funcionais simples, mas este resultado foi de uma série muito pequena de tratamento. Haste de Küntscher tem mostrado falência na razão de 50%(8).

Plaqueamento de pseudartroses tem sido apresentado com bastante êxito por Bell et al.(2), mas extensivos períodos de desuso com avançado grau de osteopenia, presença de infecção e significante perda óssea são contra-indicações para o uso destas técnicas.

Eventualmente, algumas séries de pseudartrose umeral tratadas com placas e parafusos para fixação têm descrito casos de falência de fixação(3-7,11) e não resolução do problema.

A aplicação de fixadores externos para o tratamento de pseudartroses de úmero não interfere negativamente no potencial biológico da pseudartrose, promovendo fixação estável e mantendo a mobilidade das articulações adjacentes, o que é fator importante. Achamos que o fixador desenvolvido por Ilizarov(7) tem algumas vantagens sobre outros fixadores, tais como:

– Fixação segura de pequenos fragmentos ósseos;

–Força concêntrica aplicada ao osso;

–Capacidade dinâmica de compressão axial interfragmentária;

–Manutenção da função da extremidade durante o tratamento; e

–Consolidação da pseudartrose sem procedimentos cirúrgicos abertos ou enxerto ósseo.

A maior complicação que ocorreu nesta série foi refratura no sítio de pseudartrose após remoção do aparelho em três pacientes, conforme relatado anteriormente, o que demonstra baixo índice e pequena gravidade de complicação.

A consolidação mecânica e biológica pode ser facilitada se os fragmentos infectados no sítio de pseudartrose são ressecados, promovendo contato entre superfícies com maior viabilidade biológica.

Concluindo, a técnica de Ilizarov é capaz de possibilitar consolidação em pseudartroses umerais associadas com e sem: infecção, perda óssea, deformidades angulares e rotacionais. Tem a vantagem de capacitar os pacientes a iniciarem a função do membro imediatamente e promover a reabilitação da extremidade enquanto o status biológico local é efetivamente preservado.

Referências:

Aronson, J., Harrison, B.H., Stewart, C.L. et al: The histology of distraction osteogenesis using different external fixators. Clin Orthop 241: 106116, 1989.

Bell, M.J., Beauchamp, C.G. & McMurtry, R.Y.: The result of plating humeral shaft fractures in patients with multiple injuries. J Bone Joint Surg [Br] 67: 239-296, 1985.

Catagni, M.A., Probe, J. & Guerreschi, F.: Humeral nonunion treated with the Ilizarov method. Bull Hosp J Dis, 1991.

D’Aubigné, R.M.: Surgical treatment of long bones. J Bone Joint Surg [Am] 31: 256-262, 1949.

Day, L. & Trafton, P.: Two nonunions of the humerus. Orthop Trans 7: 32, 1984.

Falez, F. & Moreschini, O.: The functional brace in the treatment of delayed union of the humerus. Ital J Orthop Traumatol 14: 113-119, 1988.

Ilizarov, G.A.: Transosseous osteosynthesis – Theoretical and clinical aspects of the regeneration and growth of tissue, Springer-Verlag, 1992.

Mnaymneh, W.A., Smith-Peterson, M. & Aufranc, O.E.: The treatment of nonunion of humeral fractures. J Bone Joint Surg [Am] 41: 1548, 1961.

Pritchett, J.W.: Delayed nonunion of humeral shaft fractures treated by closed flexible intramedullary nailing. J Bone Joint Surg [Br] 67: 715718, 1985.

Rosen, H.: Compression treatment of long bone pseudoarthrosis. Clin Orthop 138: 154-166, 1979.

Sarmiento, A., Kinmann, P.H. et al: Functional of fractures of the shaft of the humerus. J Bone Joint Surg [Am] 59: 561-601, 1977.

Trotter, D.H. & Dobozi, W.: Nonunion of the humerus: open reduction, compression plating, bone grafting and adjunctive bone
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