Livro: CLÍNICA ORTOPÉDICA DA SBOT
DISTÚRBIOS DA CONSOLIDAÇÃO ÓSSEA
William Dias Belangero
CAPÍTULO 18
RETARDE DE UNIÃO E PSEUDOARTROSE:
Tratamento com Transporte ósseo
– Indicações e Limites
Wagner Nogueira da Silva – Thiago Ildefonso Dornellas Torres
Introdução:
Kurgan, Sibéria 1956, o professor Gavriil A. Ilizarov iniciava estudos sobre métodos de osteogênese por distração, atualmente utilizados por ortopedistas em todo o mundo. Utilizando-se de anéis e fios metálicos finos sob tensão, osso novo seria formado em quantidade e velocidade até então impensáveis.
Resultados surpreendentes motivaram a extensão da técnica para membros até então desenganados, gradativamente iluminando os limites da técnica, bem como os pilares histológicos, fisiopatológicos e de reabilitação.
Mais relevante até que o desenvolvimento do fixador externo circular foram os conhecimentos sobre regeneração tecidual, sob a tutela do Instituto Knieto ( Kurgan – Rússia),
Que possibilitaram a aplicação clínica em diversas situações de perdas ósseas e falhas segmentares, que anos atrás apresentavam grandes limitações ao tratamento.
Indicações:
O passar do tempo trouxe modernizações técnicas e novos fixadoes, concebidos para alongamento e transporte ósseo, com as indicações clássicas bem estabelecidas:
Congênitas ou adquiridas, essas condições perfazem o dia a dia do especialista. Cabem a ele o conhecimento e o respeito aos pilares hstológicos, fisiológicos e anatomopatológicos da osteogênese por distração, em busca de resultados satisfatórios.
Histologia:
Ao início da distração, como em qualquer distúrbio da continuidade óssea, verifica-se rápido período de latência que é substituído pelo hematoma provocado pela corticotomia, trazendoconsigo infiltrado inflamatório rico em células mesenquimais, que gradativamente organizam colágeno pelos osteoblastos presentes nas adjacências dos sinusoides imaturos.
A distração promove organização do colágeno paralelamente a sua direção, tornando o regenerado gradativamente menos vascular e mais adensado, sendo as alterações mais significativas descritas ao passar das semanas, a seguir:
Retirada do aparelho: nas 6 semanas subseqüentes, restabelece-se a configuração de osso lamelar e medular com repovoamento celular.
Fisiologia:
Cabe ao menor dano de partes moles e preservação do ambiente vascular regional o sucesso
do alongamento. Sinusoides formados da periferia vascular darão o substrato para osteoblastos e fibroblastos rumo ao fechamento da FIZ.
A celularidade diminui progressivamente da periferia ao centro. Uma cintigrafia óssea com tecnécio apontaria uma FIZ hipocaptante,com intensa captação periférica próxima dos sinusoides neoformados, nas 2 semanas subseqüentes a corticotomia.
Fisiopatologia da Não Consolidação no Transporte Ósseo
Retardos de consolidação na vigência de alongamento ósseo podem ser vistos
em ambos os sítios de descontinuidade, ora na corticotomia metafisária para alongamento,
ora no sítio de docking quando realizado transporte. Para os primeiros, Fink et AL. Relatam
3% a 8% de retardos- ausência de consolidação pelo método de Ilizarov. Paley considera os
defeitos complicações da técnica, quando não respeitados parâmetros a seguir discriminados:
Quanto à extremidade de compressão, quando presente, Paley acredita se tratar de um
desafio inerente ao próprio fenômeno de consolidação. Sua série aponta aproximadamente
45% dos pacientes submetidos a transporte com necessidade de revisões no foco de compressão. Dezenove pacientes foram submetidos a transporte ósseo para tratamento dedefeitos segmentares da tíbia secundários a trauma. Ao sítio da compressão, 10 pacientes evoluíram com retardo de consolidação, demandando procedimentos cirúrgicos para reavivamento e ou enxertia autóloga. O último, considerado por Mahendra e McLean padrão-ouro no estímulo a consolidação em situações adversas.
Atualmente, vários autores advogam o uso de adjuvantes celulares com vistas à dinamização do processo de consolidação óssea na vigência de alongamentos. Dallari et al. estudaram a adjuvância da bone morphogenetic protein (BMP) e do plasm rich platelet (PRP) em alongamentos ósseos em coelhos. Para ambos, houve aceleração do processo de ossificação . Da mesma maneira, Lucarelli acelerou a osteogênese em ratos, utilizando-se de PRP e BMC ( cultura celular de medula e óssea). Embora promissora, a adjuvância ainda encontra no curso barreira importante a ser transpota. Hiroshi et al. apresentou custo de cerca de U$ 2 mil por paciente, em sua série no Japão.
Evidências Quanto ao Uso Adequado da Técnica na Prevenção de Atrasos de Consolidação no Transporte Ósseo
A premissa de o melhor tratamento ser a prevenção segue válida para aqueles que se deparam com retardos de consolidação na vigência de transportes ósseos. Há pilares que precisam ser respeitados na totalidade para resultados satisfatórios, os quais listamos a seguir.
Corticotomia
Realizada em região metafisária, diversas formas já foram descritas, com vantagens e desvantagens, sendo o princípio básico comum a todas: interrupção da continuidade óssea com mínima agressão às partes moles. As técnicas russa,italiana e americana são as mais difundidas na atualidade, não havendo estudos controlados que evidenciem supremacia de uma relação às demais. As Figuras 18.2, 18.3, e 18.4 exemplificam as técnicas.
Distração Excessiva:
Estudos experimentais com melhor nével de evidência ratificam premissas do alongamento ósseo alertadas por Ilizarov. Segundo ele, quanto mais contínuo for o ritmo, gradual e permanente for a taxa de tração, melhor será o regenerado. Por definição:
Ritmo
Quanto ao ritmo, Ilizarov, por meio de distrações seriadas e estudo histológicos nos espécimes, observou que a melhor densidade mineral óssea (DMO) foi encontrada no espécime submetido à maior freqüência diária dedistrações ( 60X). Contudo, em um modo que seja tolerável e possibilite manutenção das atividades do paciente, observou-se que o ritmo de um ( 1 mm- dia), subdividido em 4 disrações, permitiu um regenerado de boa conformação lacunar e mineral, com aplicação clínica compatível ao tratamento e às atividades do dia a dia.
Taxa de distração e angiogênese:
Quanto à taxa de distração e angiogênese, Schiller et al., em estudo experimental com 60 ratos da espécie Sprague-Dawley, analisaram os efeitos da taxa de distração sobre fatores de crescimento. Os animais foram divididos em 2 grupos, um com taxa lenta ( 0,5 mm-dia), outro com taxa rápida ( 1,5 mm-dia) em um total de 7 mm em alongamentos, sendo os ratos sacrificados em intervalos de 2 dias e, por uma imuno-histoquímica, analisadas expressões de fator de crescimento de fibroblastos 2 ( FGF-2), fator de crescimento do endotélio vascular ( VEGF), fator de crescimento derivado de plaquetas ( PDGF-AA) e cluster differentiation 31 ( CD31). Como resultado, ratos submetidos a distração rápida obtiveram níveis mais baixos de FGF-2, VEGF,PDGF-AAe CD31, nos dias 8 e 12, e tiveram abolidas medições dos mesmos fatores nos dias 14 a 22. Concluíram, então, que os fatores de crescimentos e CD 31, responsáveis pela cascata da neoformação vascular, fundamentais pra qualidade do alongamento ósseo em ratos, estavam reduzidos naqueles submetidos a maioria das taxas de distração.
A tração entre os fragmentos deve, então, ser iniciadas 7 dias após corticotomia, em ritmo adequado ( 1-4 de milímetro a cada 6 horas), em um sistema estável , a fim de preservar as condições necessárias a uma boa regeneração tecidual. Acreditamos que a fase inicial da distração entre os fragmentos pode ser realizada de diferentes modo ( ritmo), mediante distração inicial de 1-4 a 2-4 de milímetros, o que fomentará estudos posteriores.
Estabilidade da Montagem:
Richards et al., em outro estudo experimental com ratos, analisaram os efeitos da rigidez na montagem dos fixadores em 28 dias, cada qual randomicamente fixado com aparelhos diferentes, o que permitiu níveis diferentes de rigidez. Concluiu-se, após estudos histológicos, morfométricos e densitométricos, que houve diminuição no volume de osso formado, DMO e quantidade de trabecular formada quando a rigidez foi reduzida a 1.000 unidades de tensão. Especula-se que a tensão diminuída reduz para baixo a modulação celular, tornando osteoblastos e fibroblastos menos ativos. Cartere Frost, em experimentos semelhantes, obtiveram resultados parelhos. A manutenção preventiva com reaperto dos parafusos e das porcas dos fixadores circulares, mantendo a estabilidade dos sistemas de fixação óssea, pode reduzir o tempo de corticalização, bem como a dor referida pelos pacientes em tratamento.
Remoção do Aparelho:
Ainda permanente incerto o momento adequado para retirada do aparelho. Faltam testes capazes de predizer com segurança quando o osso regenerado suportaria de modo eficaz a carga do membro, bem como melhor padronização dos métodos de imagem que suportem a consolidação suficiente. Uma tentativa não invasiva para predição foi descrita por Aarnes et al., que submeteram 22 pacientes a alongamento tibial. Foram medidas as forças registradas em seus aparelhos quando os membros foram submetidos a uma carga axial previamente conhecida. Dessa maneira, foi possível criar um índice força x carga. Um índice carga – fixador de 100% indica que a totalidade da carga passa pelo fixador. A carga foi gradualmente aumentada à medida que a DMO do osso regenerado progredia. Os fixadores foram, então, retirados apenas quando o índice foi inferior a 10%. Nenhuma fratura subseqüente ocorreu nos 22 pacientes.
A opção clínica para retirada dos fixadores externos á a radiografia simples em 3 incidências e comprovar a corticalização de ao menos 3 de 4 corticais possíveis. Isso porque pode haver incompatibilidade clínico-radiológica do alongamento, predispondo o regenerado a fraturas e desvios angulares após a remoção do fixador externo. Quando houver necessidade da remoção do aparelho a despeita da maturação desejada, deverá ser ponderado o uso de tutores e ougesso para prevenção de eventos desagradáveis.
Considerações Finais:
O alongamento e o transporte ósseo exigem, além da curva de aprendizado para realização segura da técnica, seleção do paciente adequado, com perfil psicológico capaz de compreender as nuances do uso de um fixador externo.
Criterioso respeito ao suprimento vascular e às partes moles, corticotomia sutil, respeito ao tempo de latência, distração ritmada com taxa bem estabelecida, mantida em aparelho rígido frequentemente revisado, parecem ser os aspectos mais importantes para o sucesso do tratamento. Retardos de consolidação e pseudartroses são eventos incomuns no foco de alongamento. Espera-se maior dificuldade para consolidação no foco de compressão entre os fragmentos no transporte ósseo, cabendo informação ao paciente de possíveis procedimentos adicionais com reavivamento de bordas dos fragmentos ósseos após remoção de partes moles interpostas e compressão entre os fragmentos com 100% de contato de osso bem – vascularizado no sistema estável.
Wager et al. demonstraram a possibilidade de bonss resultados no tratamento de pseudartroses e falha ósseas pós-traumáticas da tíbia pelo transporte ósseo, seguindo os critérios de avaliação para o restabelecimento da estrutura óssea, do alinhamento e da isometria dos membros, o que possibilita função adequada ao dia a dia do paciente.
Figura 18.5 A. RNO – perda óssea de tíbia de 18 cm após acidente motociclístico. Fotografia de admissão. Tratamento com transporte ósseo pelo método de distração com fixador circular de Ilizarov. B. RNP. Tratamento com transporte ósseo pelo método de distração com fixador circular de Ilizarov, montagem inicial. C. Montagem intermediária após retalho cutâneo, aspecto geral do membro. D. Resultado radiológico final evidenciado regenerado de boa qualidade com alinhamento satisfatório e isometria do membro.